História da Qualidade
1. Conceituação:
Qualidade pode ser definida como o conjunto de atributos que tornam um
bem ou serviço plenamente adequado ao uso para o qual foi concebido, atendendo a diversos critérios, tais como: operabilidade, segurança, tolerância a falhas, conforto, durabilidade, facilidade de manutenção e outros.
Essa noção de qualidade como adequação ao uso, apesar de clara e concisa, não explicita algumas particularidades das atividades de produção, comercialização e atendimento pós-venda de um produto (ou, guardadas as proporções, de um serviço). De fato, são também associadas à qualidade outras características típicas da relação entre o fornecedor e o usuário, tais como a capacidade do fornecedor em se antecipar às necessidades do cliente, o seu tempo de resposta e o suporte oferecido.
A qualidade de um produto é decorrente da qualidade do processo de produção. Para se obter um produto com qualidade, é necessário acompanhar o seu ciclo de vida, desde o projeto até o uso. Devem ser identificados aqueles atributos que irão determinar a qualidade do produto, de modo a projetá-lo para atender a tais atributos, produzi-lo dentro das especificações e acompanhar o seu uso, verificando se foi adequadamente projetado e corretamente produzido.
A qualidade, então, é resultado de um esforço no sentido de desenvolver o produto ou serviço de modo tal que este atenda a determinadas especificações. Não se consegue atingir qualidade se esta não for especificada.
A engenharia da qualidade é o conjunto das técnicas e procedimentos para estabelecer critérios e medidas da qualidade de um produto, identificar produtos que não estejam conformes a tais critérios, evitando que cheguem ao mercado, e acompanhar o processo de produção, identificando e eliminando as causas que levaram a não- conformidades. O enfoque tradicional da engenharia da qualidade enfatiza o controle, seja através de inspeções de produto, seja através do controle do processo. Já uma visão mais moderna preocupa-se com as ações preventivas que possam garantir que a qualidade será alcançada, usando o controle apenas como apoio, quando for indispensável, em um contexto de gestão total da qualidade, estendida a todas as atividades da empresa. Este artigo objetiva examinar como surgiu a engenharia da qualidade como especialização da engenharia industrial e como se desenvolveram, historicamente, os seus principais conceitos e instrumentos. Pretende-se, ainda, discutir sucintamente as perspectivas futuras dessa disciplina.
2. Origens
Até o século XVII, as atividades de produção de bens eram desempenhadas por artesãos. Com inúmeras especializações e denominações, essa classe abarcava praticamente todas as profissões liberais então existentes: pintores, escultores, marceneiros, vidraceiros, sapateiros, arquitetos, armeiros e assim por diante.
O mestre artesão, proprietário de uma oficina, recebia aprendizes, geralmente membros da família ou, então, jovens talentosos da região, para estudarem o ofício. Estes permaneciam na oficina por um período de até quinze anos, aprendendo a dominar as técnicas da profissão. Auxiliavam o mestre em seus trabalhos, realizando tarefas que eram posteriormente inspecionadas com cuidado. Quando suficientemente qualificados, eram registrados e poderiam, só então, exercer o ofício de forma autônoma.
Os artesãos uniam-se em corporações de ofício, que tinham finalidade similar à dos atuais sindicatos e conselhos profissionais: regulamentar a profissão, impedir o seu exercício ilícito e conter a concorrência desleal. Para registrar-se, os candidatos ao ofício submetiam-se a um exame em que sua habilidade era cuidadosamente avaliada.
Do ponto de vista da qualidade, os bons artesãos eram capazes de realizar obras refinadas e de grande complexidade e detinham o domínio completo do ciclo de produção, já que negociavam com o cliente o serviço a ser realizado, executavam estudos e provas, selecionavam os materiais e as técnicas mais adequadas, construíam o bem e o entregavam. Cada bem produzido era personalizado e incorporava inúmeros detalhes solicitados pelo cliente: o número de variações é quase ilimitado.
O padrão de qualidade do artesão era, em geral, muito elevado e resultava na plena satisfação do cliente. A sua produtividade era, porém, limitada e a competição era mantida sob controle pelas corporações de ofício. O grande senão do trabalho artesanal era o preço de cada peça ou de um serviço, o que limitava o seu acesso a uns poucos consumidores privilegiados. Essa situação pouco mudaria até meados do século XVII, quando o crescimento do comércio europeu alavancou o aumento da produção e o surgimento das primeiras manufaturas, nas quais um proprietário, em geral um comerciante, dava emprego a um certo número de artesãos que trabalhavam por um salário e a produção era organizada sob o princípio da divisão do trabalho.
A produção em massa seria viabilizada justamente pelos preços reduzidos por unidade produzida, com a conseqüente ampliação do mercado, permitindo o acesso de pessoas de classes mais baixas a inúmeros produtos antes escassos. As mudanças no modo de produção iriam, também, modificar a percepção e o tratamento da qualidade.
3. A qualidade no ambiente industrial
A partir das invenções da imprensa de tipos (séc. XV) e do tear hidráulico
(séc. XVIII), ficara demonstrada a possibilidade de mecanizar o trabalho e produzir um bem em série. Mas foi em 1776, com o desenvolvimento da máquina a vapor por James Watt, que o homem passou a dispor de um recurso prático para substituir o trabalho humano ou a tração animal por outro tipo de energia. Uma das atividades rapidamente mecanizada foi a produção de têxteis.
A partir de então, a velocidade da máquina passava a impor o ritmo da produção e os locais de trabalho passavam a ser construídos em função das necessidades impostas pelos equipamentos: era o nascimento das fábricas.
O homem, antes um artesão, passa a ser um operário coadjuvante da máquina. A produção torna-se padronizada e o número de opções colocadas à disposição do cliente é limitado. O trabalho é rotineiro e padronizado e o trabalhador perde o contato com o cliente e com a visão global dos objetivos da empresa. É a divisão do trabalho entre aqueles que pensam (gerentes, administradores, engenheiros) e aqueles que executam (operários).
Nesse contexto a quantidade de falhas, de desperdício e de acidentes do trabalho era elevada, em função das limitações das máquinas, do despreparo dos operários e do precário desenvolvimento das técnicas administrativas. Começavam, então, a ser implantadas a inspeção final de produto e a supervisão do trabalho.
A necessidade de estruturar as indústrias e de dar-lhes uma organização adequada, melhorando a sua eficiência e produtividade, levou a diversos estudos sobre o seu funcionamento, o seu papel na economia e a sua administração. Os principais economistas políticos dos séculos XVIII e XIX ocuparam-se, eventualmente, desses temas. Também surgiram, nesse período, as primeiras iniciativas para se criar sistemas de medidas e normas industriais1. Mas foi no início do século XX, com os trabalhos de Fayol e de Taylor, que a moderna administração de empresas consolidou-se. Os seus trabalhos têm, até hoje, uma profunda influência na forma como as organizações operam e se estruturam e na visão predominante sobre a qualidade.
As teorias da administração científica e da administração clássica, apesar de terem colocado em evidência diversos aspectos importantes da atividade gerencial, trouxeram alguns problemas crônicos para as empresas que as aplicaram. O foco na estrutura organizacional levava a uma administração deficiente dos aspectos humanos, o estímulo à divisão do trabalho e à especialização prejudicava a colaboração entre as pessoas, a ênfase na busca de eficácia através da coordenação de atividades em vários níveis hierárquicos sucessivos originava estruturas organizacionais complexas e caras, bem como forçava um relacionamento autocrático entre gerentes e subalternos. Agregue-se que a abordagem normativa e prescritiva dessas escolas, de aplicação genérica, excluía uma compreensão das peculiaridades culturais de cada empresa.
Esses problemas refletiam-se claramente na produção industrial. As administrações das empresas conviviam com problemas constantes de baixa produtividade, absenteísmo, rotatividade de mão-de-obra, furtos e sabotagens. As margens de lucro, porém, eram extremamente elevadas, principalmente em função da baixa remuneração da mão-de-obra e do baixo custo dos insumos. O ambiente dentro das empresas era, geralmente, de conflito e de temor. Os procedimentos de inspeção e de supervisão eram fonte de disputas e de desentendimentos.
Nas empresas, a divisão funcional levou à criação dos Departamentos de
Controle da Qualidade e ao aperfeiçoamento das técnicas de inspeção. No Brasil, as filiais de multinacionais aqui instaladas começaram a adotar essa estrutura da “função qualidade” por volta de 1930. Na década de 30, a inspeção por amostragem começa a ser adotada nos EUA2, sendo aperfeiçoada principalmente graças aos trabalhos de Harold F. Dodge (1893-1974), dos Laboratórios Bell, que também desenvolveria as primeiras tabelas para planejar o processo de inspeção, os chamados planos de inspeção.
4. A abordagem comportamental na administração e suas implicações para a qualidade
Ao final dos anos 20, um trabalho de grande importância iria influir profundamente no estudo da administração: as experiências desenvolvidas por Elton Mayo e seus colaboradores com relações humanas no trabalho a partir de 1927, conhecidas como "experimento de Hawthorne". Mayo e sua equipe desenvolveram por cinco anos diversos estudos para identificar fatores que influenciavam na produtividade de grupos de trabalhadores em uma indústria de equipamentos elétricos, a fábrica da Western Electric em Hawthorne, e concluíram que os fatores psicológicos são mais importantes para a produtividade que os fatores fisiológicos.
Entre os fatores fisiológicos incluem-se alimentação, descanso, moradia, atividade física e lúdica, satisfação sexual, conforto e segurança física. São, em geral, fatores cujo atendimento está diretamente relacionado com o nível de remuneração do trabalhador. As necessidades psicológicas dizem respeito ao desejo de segurança social e pessoal do trabalhador, de afeição, de participação e de auto-estima. Estão relacionados com o ambiente de trabalho amistoso, com relações de confiança, com o desenvolvimento social com os colegas, o espírito de equipe e a existência de liderança e de objetivos comuns no grupo.
Um terceiro nível de necessidade estaria relacionado com a auto-realização, reconhecida pelo impulso do profissional para realizar o seu próprio potencial e o seu desenvolvimento humano.
O estudo dos fatores humanos na administração desdobrou-se na análise dos papéis da liderança, no estudo da formação e das atividades das equipes, dos papéis da compensação e da frustração no desempenho profissional e em diversos outros aspectos que iriam consolidar a moderna visão da gestão da qualidade total.
5. Shewhart e a moderna engenharia da qualidade
Durante a década de 20 o estatístico Walter Shewhart (1891-1967), dos Laboratórios Bell, desenvolveu os conceitos básicos da moderna engenharia da qualidade e os apresentou na obra Economic Control of Quality of Manufactured Products, de 1931. Shewhart entendia que o operário era perfeitamente capaz de compreender, observar e controlar a sua produção e dedicou-se a desenvolver técnicas para tal. Introduziu, então, os conceitos de controle estatístico de processos e de ciclo de melhoria contínua, que foram aplicados, experimentalmente, na fábrica de Hawthorne, já no final dos anos 20.
Shewhart concebeu um processo como certa combinação de fatores (equipamentos, recursos humanos, metodologia, ferramental e matéria-prima), que gera um produto ou serviço com determinadas características. Assim, se desejarmos mudar alguma característica desse bem ou serviço, deveremos alterar algum desses fatores ou a sua combinação, o que caracteriza um novo processo.
Ao executar sua atividade, o operário coloca o processo em andamento. Shewhart constatou que, ao acompanharmos alguma característica dos bens sucessivamente produzidos, certas variações eram observadas. Se estas fossem estatisticamente aleatórias, o processo estaria "sob controle". Se apresentassem, porém, um viés sistemático, haveria alguma "causa especial" que o provocava e que poderia ser eliminada.
Quando um processo está sob controle, as causas identificáveis para desvios sistemáticos foram eliminadas. Apenas variações aleatórias persistem. O processo está, então, em sua melhor qualidade dentro de fatores de custo razoáveis. O método denomina-se Controle Estatístico de Processos (CEP).
Outro importante conceito introduzido por Shewhart foi o ciclo de melhoria contínua. Ele defendia uma abordagem sistematizada para a solução de qualquer problema na empresa. O modelo de Shewhart baseia-se na execução cíclica e sistemática de quatro etapas na análise de um problema: planejar (plan, P), etapa em que se planeja a abordagem a ser dada, define-se as variáveis a serem acompanhadas e treinam-se os profissionais envolvidos no problema; executar (do, D), etapa em que o processo em estudo é acompanhado e medidas são coletadas; examinar (check, C), etapa da verificação dos dados coletados e da análise dos problemas identificados e de suas causas e ajustar (act, A), etapa de agir sobre as causas, corrigi-las ou eliminá-las, para em seguida reiniciar o ciclo com uma nova etapa de planejamento.
Os conceitos de engenharia da qualidade foram amplamente utilizados no esforço de guerra americano durante a Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, porém, dada a disponibilidade de mercado e as amplas margens de lucro de que as empresas norte-americanas dispunham, essas técnicas foram abandonadas e as corporações retornaram a uma administração convencional.
6. A Gestão da Qualidade Total
A moderna concepção de gestão da qualidade total, desenvolveu-se nos anos 50 a partir dos trabalhos de Armand V. Feigenbaum, Joseph M. Juran e Winston Edwards Deming.
Deming (1900-1993), era físico e estatístico. Discípulo de Shewhart. Contribui para o desenvolvimento de procedimentos estatísticos adotados pelo censo americano a partir de 1940. Durante a Segunda Guerra, prestou consultoria às empresas norte-americanas na implantação de sistemas de controle da qualidade.
Após a guerra, desiludido pelo abandono dessas técnicas, aceitou um convite para ir ao Japão, prestar apoio à recuperação da indústria daquele país. Lá, Deming divulgou os conceitos de melhoria contínua e de controle estatístico de processos. Também defendeu os conceitos de aplicação do controle da qualidade em todas as áreas da empresa e do envolvimento e liderança da alta administração para a melhoria da qualidade.
Joseph M. Juran (1904-), talvez o mais conceituado consultor em gestão da qualidade da atualidade, iniciou em 1924 suas atividades como engenheiro, empresário e consultor. Em 1950 enunciou a aplicação do princípio de Pareto aos problemas gerenciais. Sugeriu, também, a implantação de sistemas da qualidade através de três etapas distintas, planejamento, controle e melhoria. É autor de livros como o Juran's Quality Handbook e outros. Juran define a qualidade como a "adequação ao uso" do produto ou serviço e é defensor da concepção da qualidade desde o projeto e da contabilização de custos da qualidade.
Armand V. Feigenbaum lançou o conceito de qualidade total em seu livro
Total Quality Control, de 1951. A sua abordagem é sistêmica: entende que a qualidade deve ser projetada, deve ser "embutida" no produto ou no serviço. Não se consegue qualidade apenas eliminando falhas ou inspecionando. Assim, é necessário especificar e implantar uma estrutura de trabalho para toda a organização, de modo a garantir a satisfação do cliente a custos competitivos.
A gestão da qualidade total pode ser definida como um conjunto integrado e sistêmico de procedimentos que visam coordenar as ações das pessoas de uma organização, com o objetivo de se melhorar continuamente a qualidade de produtos e de serviços, a qualidade dos processos e a qualidade de vida na organização, dentro de um enfoque preventivo. Deve-se usar procedimentos de planejamento e de desdobramento de diretrizes para as várias áreas da empresa, um sistema de informações e de documentação sobre processos, procedimentos de feedback para aproveitar a análise dos dados na melhoria da qualidade, procedimentos de acompanhamento e de treinamento de recursos humanos para a qualidade, métodos e técnicas de prevenção e de controle da qualidade, auditorias preventivas ou avaliativas e procedimentos para o acompanhamento das expectativas e da satisfação do cliente e de feedback dessas informações a todas as operações da empresa.
7. O desafio japonês
A partir dos anos 50 os japoneses iniciaram o desenvolvimento de programas de melhoria da qualidade. Rapidamente, porém, começaram a desenvolver novas técnicas e sistemas de produção que permitiram alcançar um elevado grau de qualidade, associado a níveis de falhas e de perdas ínfimas, medidas em ppm (partes por milhão) aproximando-se, na prática, do ideal de produção com "zero erro". De início, desenvolveram técnicas para trabalhar em equipe e melhor aproveitar a competência de profissionais em apoiar a melhoria de processos, tais como os círculos de controle da qualidade. Os CCQ consistem em times que se reúnem voluntariamente para estudar, analisar e resolver problemas de qualidade de seu interesse. Kaoru Ishikawa, já falecido, foi um dos seus principais estimuladores.
Posteriormente, desenvolveram novas formas de organização da produção, com o objetivo de otimizar a ocupação de espaço, devido ao alto custo da ocupação do solo no Japão, através da eliminação de estoques pelo sistema just-in-time, em que o produto é manufaturado no momento em que é feito o pedido, sem estoques intermediários na linha de produção. O controle da produção é feito por cartões (kanban). As limitações de espaço levaram, também, a técnicas de melhoria da limpeza e organização do local de trabalho, como o 5S (os “cinco sensos”). Desenvolveram, ainda, técnicas para flexibilizar a produção pois, em função do just-in-time, a empresa não sabe exatamente que produto, entre os vários que tem em catálogo, será solicitada a fabricar num dado momento. Por esse motivo, cada equipe tem que estar preparada para trabalhar com diversos produtos e mudar a configuração do processo em poucos instantes.
Para chegar-se ao completo domínio de tais técnicas e incorporá-las ao processo produtivo, é necessário trilhar um longo caminho, que se inicia pela preparação cultural da empresa. O foco da gestão japonesa está na preparação do profissional, que domina plenamente, quase que por reflexo, as técnicas de trabalho em equipe, de organização e limpeza do local de trabalho, de abordagem sistematizada dos problemas.
Nos anos oitenta, a indústria japonesa já oferecia ao cliente a possibilidade de escolha de inúmeras opções de configuração do produto que irá adquirir e o produzia quase que "por encomenda". Graças à sua organização do trabalho, era capaz de recuperar o ideal da produção artesanal: um produto personalizado, tecnicamente perfeito, com um número quase ilimitado de alternativas à disposição do cliente. Apesar da agressiva competição no mercado global, as grandes corporações daquele país avançaram sobre o consumidor ocidental e implantaram indústrias em inúmeros países. O desafio japonês às indústrias ocidentais, nesse contexto, assemelhava-se ao desafio da esfinge: "decifra-me ou te devoro". E os norte-americanos e europeus debruçaram-se sobre os métodos orientais em busca de uma resposta.
8. As três vertentes da qualidade nos anos 80
A partir de então, nos anos 80, três abordagens distintas a respeito da gestão da qualidade evoluíram e se consolidaram.
No Japão era dada ênfase à formação do homem, à organização do local de trabalho, ao trabalho em equipe e à criação de um ambiente de fidelidade mútua entre a empresa e o profissional, marcado pela estabilidade no emprego e pela resistência à sindicalização, com o objetivo de alcançar elevado grau de competitividade do seu produto no mercado.
Nos EUA, o tratamento da qualidade desenvolveu-se a partir das indústrias bélica e nuclear e foi fortemente influenciado pelas exigências de segurança dessas aplicações. O estudo das falhas de segurança nessas áreas levou à conclusão de que estas eram provocadas, em boa parte dos casos, por problemas de natureza sistêmica. A visão norte-americana ficou centrada em assegurar que o sistema da qualidade fosse consistente e confiável, garantindo que o produto final atendesse às especificações estabelecidas. Tal abordagem denominava-se, então, de Garantia da Qualidade.
A postura européia enfatizou, por sua vez, a relação fornecedor-cliente pelo lado da certificação dos fornecedores. Tal orientação decorria das necessidades de unificação do mercado comum europeu, que criava oportunidades de mercado nos vários países da comunidade. Assim, por exemplo, uma empresa grega poderia fornecer produtos para parceiros alemães, britânicos ou italianos. Para tal, em vez de necessitar de uma certificação de cada cliente, a empresa seria auditada uma única vez, por auditores independentes qualificados, dentro de critérios padronizados descritos nas normas ISO-9000. Essa certificação era aceita em todos os países da CEE e representava um requisito para acesso a esses mercados.
No Brasil não houve uma tendência predominante. As empresas do setor automobilístico e de auto-peças adotaram preponderantemente o modelo norte-americano. Já no setor siderúrgico, diversas empresas implantaram projetos de orientação japonesa. A certificação ISO-9000, por sua vez, tornou-se a coqueluche dos anos 90 e foi bastante procurada por empresas do setor eletro-eletrônico, de informática e de serviços.
9. Perspectivas
A engenharia da qualidade passa hoje por um período de síntese. Nos anos
90, por exemplo, a certificação de fornecedores pelos critérios da ISO-9000 generalizou-se, dando origem a normas específicas de determinadas indústrias, a exemplo da indústria automotiva norte-americana, que criou as normas QS-9000. A mesma tendência pode ser observada para outras práticas da qualidade, o que vem levando a uma compreensão mais uniforme dos conceitos de sistema da qualidade e de gestão total da qualidade nos diversos países.
Outra forte tendência ao final do século XX é a incorporação de conceitos de preservação ambiental e responsabilidade ética e de cidadania à prática da qualidade: não basta tratar a qualidade de produtos e serviços com vista à satisfação do cliente e à lucratividade, mas é preciso, também, minimizar as externalidades decorrentes da produção, promovendo o tratamento de dejetos e resíduos, oferecendo condições salariais e de vida adequadas ao trabalhador e apoiando a comunidade. Um resultado dessa tendência foi a criação das normas ISO-14000 para certificação ambiental de fornecedores.
Também é importante a postura dos governos nacionais de adoção dos princípios da qualidade, seja em suas próprias organizações, seja como estratégia de desenvolvimento, através de exigências de certificações, da criação de prêmios6 ou da montagem de programas governamentais7.
As leis de proteção ao consumidor também estimulam a adoção da gestão da qualidade e determinam aspectos importantes do sistema da qualidade, pela necessidade de se manter registros das operações da empresa, em virtude das implicações legais de eventuais falhas que venham a chegar ao consumidor. Hoje o fornecedor é responsável pelo fato do produto, pelas garantias implícitas quanto ao seu uso e fica sujeito à inversão do ônus da prova no caso de dano ou falha, cabendo-lhe comprovar a qualidade do seu produto ou serviço8. Nos EUA, por exemplo, em 1997, uma indústria de hambúrgueres foi levada a pedir falência porque havia colocado no mercado lotes de produtos contaminados e não era capaz de rastrear os problemas que conduziram à contaminação. Desse modo, toda a produção ficou sob suspeição, comprometendo a viabilidade do negócio9.
Nesse sentido, o aprendizado das práticas da qualidade vem sendo incorporado à formação profissional de todos aqueles que estejam envolvidos com o projeto, a produção e a oferta de bens e serviços. A engenharia da qualidade está deixando de ser uma disciplina especializada para gradualmente tornar-se mais um conhecimento básico de profissionais de todas as áreas.
Referências bibliográficas
Chiavenato, Idalberto (1983). Introdução à Teoria Geral da Administração. São Paulo:
McGraw-Hill do Brasil.
Feigenbaum, Armand V. (1986). Total Quality Control. 3a. ed. New York: McGraw-Hill.
Juran, J. M. (1990). Juran Planejando para a Qualidade. São Paulo: Pioneira.
Juran, J. M. (1995). A History of Managing for Quality. Milwakee: ASQ Press.
Kilian, Cecelia S. (1992). The World of W. Edwards Deming. 2a. ed. Knoxville: SPC Press.
Oliveira, Marcos B. (1993). Histórico da Qualidade. Curso de Planejamento e Administração de Recursos Humanos. Brasília: ICAT/UDF (mimeo).
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